Física para Poetas

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Escrever e falar sobre Física e a Ciência em geral é sempre um grande desafio. Estimular as pessoas a se interessarem por assuntos que algumas vezes são tão áridos exige muita dedicação e criatividade. Há tempos invisto nisso não somente através de texto de divulgação, mas também utilizando outras estratégias como videocasts podcasts, instalações interativas entre outras. Contudo, uma particularmente interessante é "Física para Poetas", que são palestras e mini-cursos sobre temas de Física. Na coluna publicada em 08 de agosto no Ciência Hoje on-line explicamos um pouco dessa nossa iniciativa, que não é original, mas tem um jeito especial de como apresentar a Ciência.
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Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on-line
Publicada em 08 de agosto de 2016


FÍSICA PARA POETAS


Falar sobre física para as pessoas que não estão acostumadas com ela é uma das atividades acadêmicas que mais gosto de fazer. Sabe por quê? Quando digo a alguém que sou físico, muitas vezes recebo respostas do tipo “como você pode gostar de algo tão chato?”; “a física é muito complicada e somente pessoas muito inteligentes podem gostar disso!”; ou, ainda, “eu nunca consegui aprender nada de física… odeio a física!” Isso sempre me incomodou. Afinal de contas, a física, como outras ciências, é uma criação humana capaz de nos ajudar a compreender melhor o mundo ao nosso redor.
O ensino da física na educação básica sempre foi um grande desafio. Nos últimos anos, muitos esforços foram feitos por educadores e físicos com objetivo de ensiná-la desde das séries iniciais do ensino fundamental, no contexto do ensino de ciências. Porém, como disciplina regular, a física aparece no ensino médio, quando se torna “um terror” para muitos estudantes.
Existem muitas pesquisas na área de ensino de ciências que tentam identificar quais são as principais dificuldades do ensino de física e das ciências em geral. Em particular, a queixa que sempre se detecta nos estudantes é que eles não conseguem compreender a linguagem matemática na qual, muitas vezes, os conceitos físicos são expressados. Outra questão importante é que os problemas físicos sejam apresentados fora de uma contextualização do cotidiano das pessoas, o que dificulta o seu aprendizado. Por fim, existe uma enorme carência de professores formados em física para ministrar as aulas da disciplina.
As pessoas que vão para o ensino superior e que não são da área de ciências exatas praticamente nunca mais têm contato com a física, da mesma maneira que os estudantes de física, engenharia e química poucas vezes voltam a ter contato com a literatura, a história e a sociologia, entre outras disciplinas. É triste notar que a especialização na formação dos indivíduos muitas vezes os deixa distantes de partes importantes da nossa cultura – e não tenha dúvida de que as ciências físicas e as humanidades fazem parte dessa cultura de que estamos falando.
Mas vamos pensar em soluções. Acredito que as atividades de divulgação científica podem ajudar a reaproximar as pessoas de áreas de conhecimento que lhe parecem distantes. Tudo depende da linguagem na qual são apresentadas.

 

Esforço de aproximação

Há alguns anos, ofereço um curso chamado “Física para poetas”. A ideia não é original – ao contrário, é muito utilizada em diversos países e aqui mesmo no Brasil. Seu objetivo é apresentar a física sem o uso da linguagem matemática e tentar mostrá-la próximo ao cotidiano das pessoas, tentando destacar a beleza dessa ciência. Em muitas universidades nos Estados Unidos e na Europa, existem disciplinas para os estudantes da área de ciências humanas com essa abordagem, inclusive com essa denominação.
Nos meus cursos, procuro fazer também uma aproximação com elementos culturais como poesia, música e arte, entre outros. O desafio é sempre mostrar que a física pode ser fascinante.
Alguns dos temas que trabalho em “Física para poetas” são inspirados nos artigos publicados nesta coluna, pois o exercício mensal de escrever para Ciência Hoje traz ideias interessantes. Por exemplo, “A busca pela compreensão cósmica” é uma das aulas, em que apresento a evolução dos modelos que temos do universo. Começando pelas visões místicas e mitológicas e chegando até as modernas teorias cosmológicas, falo sobre a busca por responder questões sobre a origem do universo e, consequentemente, a nossa origem. Esse caminho é muito importante para compreendermos o nosso lugar no mundo e na história. Destaco, principalmente, que esse conhecimento foi construído por diversos atores e questões como a própria escuridão da noite trazem respostas surpreendentes (veja a coluna “As escuras noites de inverno”).
Um tema que foi um dos primeiros a serem abordados na busca de uma compreensão mais profunda natureza, ainda pelos filósofos antigos, é o movimento. Aproveitando essa motivação, discuto, em “O enigma do movimento” (veja a coluna homônima), os movimentos cotidianos e planetários, bem como os conceitos de inércia e a teoria da relatividade de Einstein, na qual a música “O xote da navegação”, de Chico Buarque e Dominguinhos, apresenta conceitos de movimento relativo e de observadores que vão ao encontro das ideias da relatividade. Provavelmente, esses geniais artistas sequer pensaram nisso na composição da música.      
Na aula “Memórias de um carbono” (veja a coluna com o mesmo nome), faço uma narrativa de um átomo de carbono contando a sua história, em primeira pessoa, desde o seu nascimento, em uma distante estrela que morreu há bilhões de anos, até o momento em que sai pelo nariz de uma pessoa respirando. Temas como astronomia, biologia, evolução e química surgem ao longo dessa aula, bem como as músicas de Gilberto Gil “Atimo de pó” e “Estrela", além da poesia de Álvares de Azevedo “Psicologia de um vencido”. Esse tema também gerou uma instalação interativa que construímos com o mesmo nome, na qual se dramatiza toda essa viagem, e que foi exibida em diferentes eventos.


O módulo interativo "Memórias de um carbono"
conta a história de um átomo, desde o seu nascimento
em uma estrela distante até o momento em que sai
pelo nariz de uma pessoa. (foto cedida pelo autor)

Já na aula “Admirável e fascinante pequeno mundo”, discuto a origem dos constituintes da matéria, desde as ideias gregas até as modernas concepções da física quântica sobre os átomos. Gilberto Gil foi uma grande inspiração para esse tema, por meio de seu álbum Quanta, cujas músicas servem de ponte para entender os complexos mecanismos que regem as interações fundamentais da matéria (veja a coluna “Admirável pequeno mundo”).
Em “O tempo em nossas vidas”, apresento esse fascinante conceito que, na verdade, vai muito além da física: está presente em áreas como a filosofia, a biologia e a psicologia. Algumas músicas de Chico Buarque e Caetano Veloso, poesias de Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade ajudaram nessa abordagem. Não faltou também “Tempo Rei”, de Gil.
Enfim, ao compartilhar com vocês alguns exemplos de minhas aulas, espero mostrar que o desafio de fazer com que a física se torne interessante para as pessoas não é fácil, mas, ao mesmo tempo, é muito estimulante. Apresentar conceitos científicos relacionando-os com as artes é uma alternativa interessante, pois a arte é, também, uma forma importante do conhecimento humano. Se as músicas e poesias inspiram as mentes e os corações, podemos mostrar que a ciência, em particular a física, também é algo inspirador e belo, capaz de criar certa poesia e encantar não somente aos físicos, mas a todos os poetas da natureza.

Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos


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